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Principais decisões judiciais sobre franquias: o que a jurisprudência sinaliza para 2026

A Lei de Franquias (Lei nº 13.966/2019) estabeleceu o marco regulatório do franchising no Brasil. Mas, na prática, é a jurisprudência que mostra como juízes têm interpretado contratos, cláusulas de multa, não concorrência, desconsideração da personalidade jurídica e o próprio papel de franqueadores e franqueados.

Com base em decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e de outros tribunais, é possível identificar alguns vetores claros que impactam diretamente o sistema de franquia em 2026.

Neste artigo, reúno os principais pontos que merecem atenção de quem atua com redes de franquia – seja na formatação, expansão ou gestão de unidades.

1. Franquia é negócio empresarial: não há relação de consumo

Uma pauta recorrente na jurisprudência é a natureza jurídica do contrato de franquia. Em ação de rescisão contratual cumulada com indenização, o TJSP reforçou que o contrato de franquia tem, em regra, natureza empresarial, afastando a aplicação automática do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Na prática, isso significa:

  • Não se presume hipossuficiência do franqueado.

  • O ônus da prova tende a ser distribuído de forma mais equilibrada entre as partes.

  • O insucesso econômico da unidade, por si só, não é suficiente para responsabilizar a franqueadora.

A tendência é de manutenção dessa linha: franquia é vista como parceria empresarial estruturada, e o Judiciário exige prova concreta de violação de deveres contratuais para afastar essa lógica.

2. COF, dever de informação e suporte: quando a franqueadora responde

Se, por um lado, o Judiciário tem reconhecido o caráter empresarial do contrato, por outro, tem sido firme na cobrança de transparência e suporte por parte da franqueadora.

Em um dos casos analisados, o tribunal destacou que a franqueadora:

  • não entregou a Circular de Oferta de Franquia (COF);

  • não prestou suporte adequado após o treinamento inicial;

  • forneceu quiosque com diversos defeitos.

Esse conjunto de fatos foi determinante para o reconhecimento de descumprimento contratual da franqueadora.

Em contrapartida, há decisão em que a entrega tempestiva da COF, com as informações exigidas em lei, foi fator relevante para afastar a alegação de responsabilidade da franqueadora pelo insucesso do negócio, reforçando que o franqueado assumiu o risco típico da atividade empresarial.]

ponto de atenção:

  • Franqueadoras precisam manter um compliance rigoroso de COF (conteúdo e prazo).

  • É recomendável documentar suporte, treinamentos, manuais, visitas técnicas e canais de atendimento.

  • Franqueados, por sua vez, devem guardar e-mails, notificações e registros de falhas de suporte, pois isso tem sido decisivo no contencioso.

3. Multas, culpa pela rescisão e cláusulas de recompra

Outro eixo central na jurisprudência recente diz respeito à culpa pela rescisão e às multas contratuais.

Em um caso de rescisão de franquia em que a franqueadora ajuizou ação contra os franqueados, o tribunal concluiu que a ruptura contratual ocorreu por culpa exclusiva da franqueadora, mantendo a condenação ao pagamento da multa prevista em contrato.

Já no âmbito do TJMG, em apelação cível julgada em 17/09/2025, a corte analisou uma situação peculiar:

  • havia alegação de contrato de franquia verbal;

  • existia documento escrito apócrifo, usado como referência para sanções;

  • o tribunal reconheceu a realidade fática de relação franqueador/franqueado;

  • identificou culpa concorrente pela rescisão e determinou a minoração da multa com base no art. 413 do Código Civil;

  • considerou abusiva a cláusula de recompra, remetendo a definição do percentual de retenção para a fase de liquidação.

Esses julgados mostram que:

  • Multas contratuais de franquia continuarão sujeitas ao controle de proporcionalidade pelo Judiciário.

  • Cláusulas de recompra com retenções excessivas tendem a ser questionadas.

  • A análise da culpa pela rescisão (franqueador, franqueado ou ambos) é ponto-chave para a manutenção ou redução das penalidades.


4. Cláusula de não concorrência: limites e contexto importam

A cláusula de não concorrência também tem sido objeto de análise frequente.

Em ação de cobrança de multa contratual envolvendo franquia de serviços de estética, o TJSP considerou inaplicável a cláusula de não concorrência porque a franqueada já atuava no mesmo ramo da franqueadora antes da franquia. O tribunal entendeu que, nas circunstâncias do caso, a restrição pós-contratual não poderia impedir a continuidade da atuação profissional da ré após o término da franquia.

Em outros contextos, porém, cláusulas de não concorrência vêm sendo preservadas, especialmente quando:

  • há efetiva transferência de know-how;

  • o prazo e o território são delimitados;

  • a restrição se mostra razoável para proteger o modelo de negócio.

Importante: 

  • Cláusulas de não concorrência em franquias não são automaticamente inválidas, mas serão examinadas sob a ótica da proporcionalidade e do contexto.

  • Redes devem calibrar escopo, prazo e área de vigência; franqueados precisam avaliar o impacto dessas cláusulas antes da assinatura.

5. Competência das varas empresariais e contratos de intermediação em franquias

Em conflito negativo de competência, o TJSP decidiu que a execução de título extrajudicial fundada em contrato de prestação de serviços para comercialização de franquias (intermediação entre franqueador e franqueado) deve tramitar perante vara de competência empresarial e conflitos relacionados à arbitragem.

O fundamento é que a intermediação para venda de franquias:

  • se insere na lógica do sistema de franquia;

  • envolve matérias empresariais especializadas;

  • se relaciona com cláusulas de arbitragem e resolução específica do tribunal sobre competência.

Na prática, isso reforça que:

  • Litígios em franquia (e nos contratos acessórios de consultoria, intermediação e expansão) caminham para um ambiente mais especializado.

  • A definição de foro e a adoção de cláusulas compromissórias de arbitragem devem ser planejadas com visão estratégica.

6. O que redes de franquia precisam ajustar olhando para 2026

Com base nesse conjunto de decisões, alguns movimentos são recomendáveis para redes de franquia que buscam segurança jurídica e crescimento sustentável:

  1. Revisar COF e documentos pré-contratuais

    • Checar aderência à Lei 13.966/2019.

    • Garantir entrega no prazo legal e comprovação documental.

    • Revisar projeções e informações econômico-financeiras.

  2. Ajustar cláusulas sensíveis do contrato de franquia

    • Multas rescisórias (valor, base de cálculo, proporcionalidade).

    • Cláusulas de recompra (retenção, prazos, condições).

    • Cláusulas de não concorrência (tempo, território, escopo).

  3. Fortalecer governança societária e patrimonial

    • Separar claramente patrimônios de empresas do grupo e dos sócios.

    • Documentar operações entre coligadas e controladas.

    • Prevenir elementos que possam caracterizar confusão patrimonial.

  4. Estruturar relação de franquia de forma coerente com a realidade

    • Se a ideia é franquia, deve haver transferência de know-how, padronização, mas também autonomia empresarial.

    • Se, na prática, há subordinação típica, é preciso avaliar se o modelo é realmente de franquia ou se se trata de relação de trabalho.

  5. Planejar foro, arbitragem e contratos acessórios

    • Definir de forma estratégica a jurisdição competente.

    • Avaliar custo, tempo e perfil econômico dos franqueados antes de optar por arbitragem obrigatória.

    • Harmonizar contratos de intermediação, consultoria e expansão com o contrato-mãe de franquia.


7. Conclusão: segurança jurídica e consolidação da jurisprudência em franquias

As decisões recentes não indicam uma ruptura, mas uma consolidação de entendimentos relevantes:

  • franquias vistas como relações empresariais, com maior exigência de prova para afastar essa natureza;

  • responsabilização de franqueadoras quando violam deveres de informação (COF) e suporte;

  • controle de abusividade em multas, cláusulas de recompra e não concorrência;

  • atenção redobrada a estruturas societárias e ao uso indevido da franquia para mascarar vínculos trabalhistas;

  • crescente especialização das varas empresariais em litígios envolvendo o sistema de franquia.

Para franqueadores, franqueados e investidores, 2026 tende a exigir mais técnica contratual, mais governança e mais coerência entre papel econômico e papel jurídico de cada agente da rede.

Se a sua rede de franquias está em fase de expansão ou passando por revisões contratuais, vale alinhar seus instrumentos à jurisprudência mais recente. Um diagnóstico jurídico preventivo pode reduzir litígios, fortalecer a relação com os franqueados e proteger a marca no longo prazo.

Além disso, antes de assinar um contrato de franquia consulte sempre um advogado.

Bárbara Daniela de Andrade, especialista com atuação em franquias desde 2007. Especializada em Direito Empresarial e do Trabalho pela FGV.

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