Garantir e comunicar o direito de arrependimento para produtos personalizados pode causar demasiado dano ao meio ambiente, além de fomentar o consumo irresponsável de produtos que não poderão ser reaproveitados, o que não pode mais ser tolerado, muito menos fomentado.
Em 11 de setembro de 1990, por meio da lei 8.078/90, surgiu o Código de Defesa do Consumidor, que reconhece a vulnerabilidade do consumidor, a boa-fé como princípio basilar das relações de consumo, assegura o direito à informação quanto à origem e qualidade dos produtos e serviços, prevê proteção contra fraudes no mercado de consumo, requer transparência e segurança para os usuários de bens e serviços e visa harmonizar as relações de consumo por meio da intervenção jurisdicional.
O referido código reconhece ainda, diversos direitos básicos do consumidor, tais como a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos, direito à informação, entre outros.
O Direito de Arrependimento é um deles, e concede ao consumidor 7 (sete) dias de prazo “para reflexão”, podendo exercer o direito de se arrepender da compra de um produto ou contratação de um serviço pela internet, telefone, catálogo, reembolso postal ou vendedor na porta de casa, isto é, fora da loja ou escritório comercial. Está previsto no artigo 49.
Além desse artigo, o decreto 7962/13, que regulamenta a lei 8.078/90, o CDC, surgiu para regulamentar a contratação no comércio eletrônico, abrangendo, entre outros assuntos, o respeito ao direito de arrependimento, previsto no artigo 1º, III e artigo 5º, prevendo ainda o dever do fornecedor de informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor, podendo o consumidor exercer tal direito pela mesma ferramenta utilizada para a contratação. Prevê ainda a obrigação do fornecedor comunicar imediatamente à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que a transação não seja lançada na fatura, ou, caso já tenha sido lançada, seja efetivado o estorno do valor, devendo ainda o fornecedor enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
O decreto de 2013 regulamentou a compra em estabelecimentos comerciais eletrônicos como passíveis do exercício do direito de arrependimento pelo consumidor, diferenciando, desta forma, o “estabelecimento virtual” do “estabelecimento físico”.
Assim, em linhas gerais o consumidor possui o direito de se arrepender de suas compras realizadas em ambiente virtual.
Ocorre que esse direito não é irrestrito, já que não são raras as ocasiões em que o direito de arrependimento se tornará inviável, seja em virtude da natureza do produto, tais como alimentos por exemplo, seja em razão da boa-fé que deve nortear a relação de consumo, não sendo viável o exercício do direito de arrependimento da compra do direito de assistir a um filme, ou jogo de futebol on-line, por exemplo, ou ainda, em razão dos princípios de proteção ao meio ambiente, sendo incompatível neste caso o arrependimento de compras de produtos personalizados, tais como óculos graduados ou um cartão de visita, por exemplo.
Nos exemplos acima, estaria o fornecedor obrigado a arcar com os custos de logística e devolver o valor pago pelo lanche, que o consumidor provavelmente já conhece, e se arrependeu? Pela aquisição do direito de assistir a um jogo de futebol, sob o fundamento de que após assistir ao jogo o consumidor “refletiu melhor” e se arrependeu? Pela aquisição de cartões de visitas, personalizados e aprovados pelo próprio cliente, em razão de arrependimento? Parece que essas situações, como tantas outras, extrapolam o limite da “boa-fé”, da razoabilidade e, mais que isso, do princípio constitucional da preservação do meio ambiente.
Apesar do código de defesa do consumidor não estabelecer limites ao exercício do direito de arrependimento, não é razoável a interpretação literal do artigo, sem considerar o seu fim econômico ou social, a boa-fé, que deve nortear as relações de consumo, bem como o impacto ao meio ambiente, tratando-se este último também de um princípio constitucional.
Assim, o exercício do direito de arrependimento em determinadas hipóteses pode configurar abuso de direito, conforme artigo 187 do código civil de 2002, ao dispor que “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Rizzato Nunes, define o abuso de direito como (2012, p.188): “(…) resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem. Ou, em outras palavras, o abuso do direito se caracteriza pelo uso irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte do titular”. Grifos nossos.
Sendo assim, faz-se mister respeitar os limites estabelecidos pela própria relação, que deve resguardar a boa-fé e o fim econômico e social, sendo necessário ainda jogar luz a mais um agravante quando falamos de direito de arrependimento de produtos personalizados: o dano ao meio ambiente.
Os formalistas, que defendem a aplicação do Direito de arrependimento em qualquer situação, argumentam que havendo a previsão legal, os fornecedores estariam obrigados a cumprir com o Direito de arrependimento, mesmo em casos atípicos, como o de um produto personalizado, por exemplo.
Argumentam neste caso que os fornecedores deveriam de alguma forma prever em seus custos os gastos das compras canceladas. Fato é que além de não existir um racional econômico viável para fazer frente a tais custos – já que eventualmente as compras seriam cada vez mais canceladas, encarecendo os preços até o ponto de ser insustentável tal relação – há um outro problema ainda mais grave, que está relacionado aos danos ao meio ambiente em razão do descarte dos produtos personalizados e logística para recebimento dos produtos, que não poderão ser vendidos para outros consumidores.
O meio ambiente, natural ou físico, deve ser protegido e tutelado com ações de prevenção, sendo que os riscos ambientais estão associados à probabilidade de ocorrência de eventos que afetam o meio ambiente e a saúde humana e à magnitude dos danos da ocorrência destes eventos.
Aceitar indiscriminadamente o direito de arrependimento, sem considerar os impactos que isso trará à natureza e ao meio ambiente, incluindo ainda tal informação no momento da venda, além de fomentar a falta de consciência neste sentido, fere claramente o princípio constitucional de defesa e preservação do meio ambiente previsto no artigo 225 da Constituição Federal, que assegura a todos o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”
Tratando-se de matéria ambiental, a responsabilidade não exige a apuração de culpa, mas sim o nexo entre ato e o dano, tendo assim um caráter objetivo, sendo solidária e cumulativa com todos aqueles que contribuíram e concorreram de alguma forma (maior ou menor grau) para o dano ocorrer.
Encontra-se, então, o fornecedor diante de um desafio de conciliar o direito de arrependimento e a proteção ao meio ambiente.
Assim, as empresas de um modo geral, devem atuar para não causar nenhum dano ambiental, sob pena de sofrerem sanções penais e dever de reparar o dano, conforme o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, que dispõe que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente do dever de reparar o dano causado”.
Ainda a Política Nacional do Meio Ambiente Lei 6.938/81, nos seus artigos 3º e 14, mencionam responsabilidade:
“Artigo 3º:Todos aqueles cujas atividades contribuem direta ou indiretamente para a produção dos danos ambientais;”
“Artigo 14: O poluidor é obrigado independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”
Desta forma, é necessário ampliar a discussão acerca do “direito de arrependimento” sob o prisma da garantia constitucional de preservação ao Meio Ambiente, que deve ser privilegiada.
A norma que prevê o direito de arrependimento para compras em e-commerce, prevista no artigo 5ª, “caput” do Decreto Federal 7.962/13, não pode ser analisada de forma literal como um direito irrestrito. Pelo contrário, é necessário lançar mão das regras de hermenêutica e integração de normas a fim de sanar o conflito entre o exercício do direito de arrependimento e a garantia constitucional de preservação ao Meio Ambiente.
Garantir e comunicar o direito de arrependimento para produtos personalizados pode causar demasiado dano ao meio ambiente, além de fomentar o consumo irresponsável de produtos que não poderão ser reaproveitados, o que não pode mais ser tolerado, muito menos fomentado.